sexta-feira, 17 de outubro de 2014

71 - Sobre recuperação de aprendizagens

      Cipriano Luckesi

      

Solicitação: Sugestões sobre aulas de recuperação: anual,  bimestral, semestral. Participar das aulas todos ou apenas quem está em recuperação?


As denominadas “práticas de recuperação” tem seu marco histórico no Brasil com a Lei 5692/71.

Até essa Lei, professores e estudantes tinham dois expedientes: da parte do professor ensinar da melhor forma possível, o que significava acompanhar os educandos e reorientá-los permanentemente (nem sempre isso era feito) e, da parte do estudante, investir na compreensão do que era ensinado e servir-se dos exercícios propostos para apropriar-se das informações e habilidades propostas. Esse era o expediente que deveria ser praticado cotidianamente nos dias escolares do ano letivo.

Como nem sempre essa prática era exercitada de forma suficientemente eficiente, no final do ano letivo, um estudante poderia ser reprovado. No caso dele ser reprovado em até três disciplinas (não importava muito se a responsabilidade era dele ou do professor ou dos dois juntos; ou até da escola), poderia submeter-se a uma denominada “prova de segunda época”.

Essa prova era realizada no início do ano letivo seguinte, supondo que, durante as férias, o estudante fizesse estudos pessoais de recuperação do que “não havia aprendido”, ou do que “não havia conseguido manifestar nas provas”, fosse devido não ter aprendido ou fosse devido as artimanhas presentes nas provas.

Caso fosse reprovado em mais de três disciplinas, estaria reprovado e retido na série na qual se encontrava.

Com a Lei 5692/71, se entendeu que poderia haver outro caminho para atender ao educando que se encontrasse nessa situação. Então, os exames de segunda época foram substituídos por “estudos de recuperação no final do ano letivo”.

No caso, os estudantes que não obtivessem resultados satisfatórios até o final do ano letivo seriam submetidos a estudos de recuperação das aprendizagens não realizadas. Seriam 45 dias de estudos e de acompanhamento dos estudantes nessa situação. Vagarosamente, esse tempo de estudos de recuperação foi sendo reduzido até chegar a uma única e exclusiva nova prova. Nada mais que isso.

Então, passou-se a buscar novas alternativas:

  • recuperação paralela (estudos de recuperação das aprendizagens ao lado da prática regular do ensino, em outro turno --- seja por responsabilidade pessoal do estudante ou da família do educando);
  • estudos de recuperação ao final de cada bimestre (desde que o estudante não obtivesse resultados satisfatórios em determinada unidade de ensino, logo após seu término regular, seria submetido a estudos de recuperação do que não havia aprendido);
  • estudos de recuperação ao final do semestre letivo (a não obtenção de resultados satisfatórios ao final do primeiro semestre do ano letivo, conduziria o estudante ser submetido a estudos de recuperação dos conteúdos já ensinados).

Afinal, soluções intermediárias.

Pessoalmente, fico a pensar que, se a prática do ensino for exercitada com o efetivo desejo e o efetivo investimento para que os educandos aprendam o que está sendo ensinado, não haveria necessidade de nenhum desses expedientes. Nesse contexto, a avaliação como investigação da qualidade da realidade da aprendizagem dos educandos (diagnóstico), base para seu acompanhamento e sua permanente e constante reorientação, é a parceira ideal do educador. Nesse caso, não há nem haverá recuperação, mas sim ensino que busca a qualidade positiva da  aprendizagem dos educandos.

Os recursos didáticos para se conseguir esse efeito estão disponíveis em nosso meio, basta colocá-los em prática: um novo exercício em sala de aula, atividade em grupo com acompanhamento constante do professor, novos exercícios, corrigidos e reorientados com eficiência... Aqueles que já aprenderam, refinam seus conhecimentos e habilidades, ou até colaboram para que aqueles que não aprenderam, aprendam. E... dessa forma ... aprendem mais. Tem um ditado popular que diz que é "o olho  do dono que engorda o boi"; no caso é o desejo do educador que faz com que o estudante aprenda.


Então, o termo recuperação despareceria de nosso dicionário pedagógico. Dessa forma, a escola e seus educadores colocam como objetivo de sua ação “a aprendizagem satisfatória de todos os estudantes nos conteúdos curriculares que necessitam aprender”. Nesse quadro, não será necessária recuperação, à medida que o ensino ocorrerá com qualidade satisfatória.

Contudo, se, em sua escola, ainda existe o sistema de recuperação em qualquer uma das modalidades acima relembradas, fico a pensar que, se ela for oferecida exclusivamente aos que carecem de reforço, eles poderão ter a atenção do educador mais focado em suas dificuldades.

Com efeito, caso se decida por oferecer as atividades de recuperação de aprendizagens a todos os estudantes de uma turma, importará ter cuidados suficientes para que efetivamente todos os estudantes sejam incluídos nas atividades. O perigo é de que aqueles que, de alguma forma, já aprenderam não se interessem pelas atividades.

Se a escola se define pela segunda opção, importará estar atenta aos recursos metodológicos pelos quais eles sejam efetivamente envolvidos nas atividades, sob pena de ficarem de fora e excluídos e, desse modo, livres para fazer o que desejarem, mesmo estando no ambiente onde estão sendo atendido os mais carentes de aprendizagens.







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